“A diferença entre o acidente e o desamparo é a escolha” : mortes violentas intencionais de crianças e adolescentes e a necropolítica como paradigma de análise essencial

Abstract

O presente trabalho de conclusão de curso apresenta um panorama do cenário de violências fatais intencionais contra crianças e adolescentes no Brasil entre 2020 e 2024. Para cumprir o objetivo proposto, fiz uma revisão da literatura científica em direito sobre a condição jurídica de e violências contra crianças e adolescentes. Além disso, utilizei as metodologias de pesquisa exploratória em mecanismos de busca e plataformas de mídias e de análise de caso, especificamente, do caso de Miguel Otávio. Com isso, confirmei a hipótese de que as condições de vida de crianças e adolescentes estão diretamente relacionadas às condições de vida de suas comunidades, bem como das pessoas responsáveis por cuidar-lhes. Também, constatei que o adultocentrismo é um paradigma civilizatório que se intersecciona com outros, como o racismo, a supremacia branca, o cisheteropatriarcado e o neoliberalismo, para definir as condições de vida de crianças e adolescentes. A partir da pesquisa exploratória, analisei brevemente as mortes de Ariane, Cleiton, João Pedro, Bernardo, Sophia, Keron e Cleber. Depois, analisei mais detidamente o caso da morte de Miguel Otávio Santana da Silva, provocada por Sarí Corte Real, patroa de sua mãe. Com isso, conclui que o paradigma da necropolítica de Achille Mbembe é essencial para analisar mortes em contextos contemporâneos, especialmente para definir os parâmetros de violência e de intencionalidade. Assim, proponho uma revisão da categoria de “mortes violentas intencionais”, elaborada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, de forma que inclua também as mortes produzidas através da necropolítica, para além do reconhecimento jurídico do dolo. Sugeri também que a decisão do Tribunal Superior do Trabalho sobre a violação dos direitos trabalhistas de Mirtes e Marta, mãe e avó de Miguel, por Sari e seu marido deveria ser replicada, tanto do ponto de vista argumentativo quanto do referencial teórico. Isso porque reconhece que toda operação jurídico-política precisa considerar seus impactos nas vidas de crianças e adolescentes, na medida em que impacta suas comunidades e sua relação com o Estado. Também, pois se fundamenta na produção intelectual de mulheres negras, inclusive sobre o trabalho doméstico, grupo e categoria que pretende proteger. Por fim, entendi que é necessário investigar mais os mecanismos em torno da necropolítica, inclusive em relação a crianças e adolescentes.