Resumo: | Como diria a célebre catadora e escritora Carolina Maria de Jesus, o Lixão da Estrutural poderia ser considerado o “quarto de despejo” da capital, desprezado em relação aos outros cômodos da casa da sociedade brasiliense. Compreendendo-o como uma paisagem em permanente reconstrução, até mesmo depois que suas atividades socioprodutivas forem oficialmente encerradas em janeiro de 2018, esta monografia buscou, em primeiro plano, resgatar o protagonismo dos catadores na modelagem daquele espaço (que Tim Ingold chamaria de “mundo-tempo”). Enquanto usufruímos e nos apropriamos, há mais de cinco décadas, do trabalho de catadoras e catadores do lixão, porque não vivemos um dia sequer sem produzir resíduos sólidos, tais pessoas têm os seus direitos sociais violados gradativamente nesse contexto de reformulação do sistema de gerenciamento de resíduos sólidos do GDF, inaugurado com a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Nesse sentido, a partir dos estudos da fenomenologia da paisagem e das análises sobre a dialética moral que opõe os fenômenos sociais “impuros” aos “puros”, buscou-se descrever a distribuição socioprodutiva dos catadores no lixão, isto é, as formas como o seu trabalho organiza o espaço. Considerando o olhar da sociedade externa ao local de trabalho dos catadores, a “lógica de contaminação perigosa” normalmente associada aos resíduos também poderia ser aplicada a tais lugares (RIAL, 2016). Nesse sentido, conforme a pesquisa de campo demonstrou, ali existe uma ordem interna que é de alta complexidade – tanto na sua constituição e organização topográfica, quanto nas relações socioprodutivas, inclusive na forma como ambos os fatores interferem um no outro. Se o lixão representaria a “impureza” do ponto de vista de uma certa “ordem social”, a situação se inverte quando o lixão é encarado como uma ordem social própria – situação que inaugura novas regras e desvios, purezas e impurezas. Assim, considerando a resiliência e inteligência com que os catadores do lixão vêm se reinventando e remodelando a paisagem, essa monografia pretende, em última instância, oferecer subsídios para que outros cidadãos brasilienses reconheçam sua parcela de responsabilidade na manutenção daquele colosso. |