Resumo: | Historicamente, as políticas de assistência técnica e extensão rural (Ater) no Brasil se orientaram para o setor patronal, associado ao modelo agroexportador. A exclusão político-econômica da agricultura não-patronal, ou não-capitalista, em suas diversas formas, reforçada pelas políticas agrícolas e fundiárias, assentou-se na reprodução de um modelo de desenvolvimento rural socioambientalmente degradante, cujos efeitos se acentuaram nas décadas de 1960 e 1970, com o processo conhecido como modernização conservadora, simultaneamente à consolidação institucional do Sistema Brasileiro de Ater (Sibrater). Nos anos 1980 e 1990, as críticas a esse modelo ganharam expressão junto a um novo fôlego dos movimentos agrários, iniciando um deslocamento do eixo do Sibrater para a agricultura familiar. O Sistema reorientado, entretanto, logo sofreria o impacto dos planos de ajustamento associados à reestruturação global do capitalismo (período caracterizado pelo avanço do neoliberalismo no Brasil), que desorganizaram os serviços públicos de modo geral. Concomitantemente, o setor agropecuário patronal começou a assumir uma nova representação social, o agronegócio, aliado às corporações transnacionais dos setores financeiro, de insumos químicos, de beneficiamento agroindustrial e do varejo, resultando, entre outros efeitos, na perda de relevância da Ater pública para os setores hegemônicos do capitalismo agrário. Por outro lado, os setores excluídos da modernização agrícola se organizaram, também, em torno de novas representações sociais e passaram a exigir novas orientações das políticas agrícolas e agrárias baseados no questionamento do modelo de desenvolvimento rural adotado. Foi assim que, durante os governos Fernando Henrique Cardoso, teve início uma nova geração de políticas orientadas para a ampla categoria da agricultura familiar, o que se desdobrou nos debates entre poder público e sociedade civil organizada sobre a reconstrução dos serviços públicos de Ater em alguns consensos, dos quais o mais forte foi a exclusividade da agricultura familiar como sua beneficiária. Paralelamente, desde a década de 1980, em nível nacional e internacional, ganharam densidade, na esfera acadêmica e na sociedade civil organizada, novas abordagens teóricas e políticas sob o marco da Agroecologia, com a qual emergem, nos anos 1990, propostas em torno de uma via camponesa para o desenvolvimento rural. No Brasil, estas novas abordagens se associaram de modo peculiar a estudos e experiências de assessoramento técnico junto às populações pobres rurais, em especial entre assentamentos de reforma agrária. Todavia, até o início do século XXI, a abordagem dualista da política agrícola (financiamento e serviços para o agronegócio, via Ministério da Agricultura, e para a agricultura familiar, via Ministério do Desenvolvimento Agrário) oscilou basicamente entre a tese da capacitação empresarial da agricultura familiar (integrando-a às dinâmicas do mercado global, controlado pelo agronegócio de grande escala) e a tese da inviabilidade competitiva (relegando às políticas para a agricultura familiar um caráter exclusivo de política social compensatória). A via não-empresarial do desenvolvimento rural, portanto, surgiu como alternativa política (embora jamais hegemônica) apenas, no contexto de ampliação significativa dos recursos para a agricultura familiar, com o processo de reorganização social e normativa do Sibrater, representado pela elaboração da Política Nacional de Ater (Pnater), em 2003, já no governo Lula. Ao serem convocados para conceber e implementar a Pnater, os principais movimentos sociais agrários evocaram a Agroecologia como princípio da Pnater, fazendo reverberar o conceito sobre outras políticas públicas e iniciativas práticas das organizações populares. Concluiu-se assim que, apesar dos obstáculos criados por um aprofundamento da abordagem dualista da política agrícola brasileira, a luta pela reconstrução da Ater pública sob o paradigma da Agroecologia constituiu um relevante campo de disputa entre distintos modelos de desenvolvimento rural no seio da sociedade brasileira. |