Resumo: | O presente trabalho busca contribuir para os estudos sobre a transexualidade na área
do direito, ao explorar como o judiciário brasileiro tem se posicionado frente aos pedidos de
retificação de registro civil de pessoas transexuais, especificamente daquelas não submetidas
à cirurgia de transgenitalização. O objetivo é verificar a possível aderência das instituições
jurídicas às definições biomédicas sobre a transexualidade e sobre a verdade sexual dos
corpos no decorrer do julgamento dessas ações. A construção metodológica da pesquisa se
guiou por uma técnica de método misto, com procedimento de coleta concomitante de dados
quantitativos e qualitativos. Foram analisados 36 processos encontrados em 10 dos 27
Tribunais de Justiça do Brasil, entre 2008 e 2012. O estudo aprofundado dos discursos
judiciais foi feito a partir de três categorias analíticas: i) as definições de transexualidade
utilizadas nas decisões judiciais; ii) a importância da não realização das cirurgias de transgenitalização para a definição dos julgamentos e; iii) a utilização do argumento da
segurança jurídica como uma defesa da verdade sexual. A partir dessa análise, foi possível
perceber que, apesar de importantes entendimentos divergentes, a existência transexual ainda
é considerada uma vivência anormal do corpo sexuado, de modo que o judiciário, para
articular suas decisões nesse tema, recorre com freqüência a uma gramática medicalizante. A
não realização da cirurgia de transgenitalização apresentou-se como um elemento relevante
para a negativa em deferir ou conhecer dos pedidos, da mesma forma que o foi o argumento
da segurança jurídica, utilizado como uma defesa da verdade sexual definida a partir dos
órgãos genitais. Assim, o acolhimento das múltiplas experiências transexuais como vidas
possíveis e igualmente merecedoras de proteção pelo sistema jurídico permanece como um
desafio à nossa comunidade política, e apresenta a necessidade de urgente abertura do direito às vivências não-hegemônicas do gênero. ________________________________________________________________________ ABSTRACT This study aims to contribute to the researches on the theme of Law and
transexuality. It explores how the Brazilian justice system has been judging the claims for
rectification of civil registration of transgender people, specifically of those who did not
undergo a reassignment surgery. Its main objective is to verify the possible adherence of the
legal system to the biomedical definition of transexuality and to the definition of the sexual
truth of the human bodies. The methodological construction of this research was guided by a
technique of mixed methods, based on the collection of quantitative and qualitative data.
Within the 27 Courts of Justice of Brazil, 36 lawsuits related to the theme were found between
2008 and 2012, and therefore were analyzed by this study. The detailed exam of the judicial
discourses was based on three analytical categories: i) the definitions of transexuality used in
the judicial decisions, ii) the importance that the not performing of reassignment surgeries had
in the judgment of these claims and iii) the use of the argument of legal certainty as a defense
of the sexual truth of the bodies. In this analysis it was revealed that, despite significant
divergent understandings, the transexual existence is still considered an abnormal experience
of the sexed body. Thus, the justice system, to articulate their decisions on this issue, often
refers to a medicalized grammar. The not performing of reassignment surgeries was then
presented as a relevant argument to the refusal of the claims, in the same way as the argument
of legal certainty was used as a defense of sexual truth defined by the genitals. In this context,
the recognition of multiple transgender experiences as possible and as lives that equally
deserve protection by the legal system remains a challenge to our political community, and shows the need for urgent opening of the Law to non-hegemonic gender experiences. |