Resumo: | Existe aborto legal no Brasil desde 1940, antecedendo, até mesmo, a Constituição Cidadã. É
possível à mulher buscar o sistema de saúde para realizar um abortamento legal e seguro nos
casos de risco de vida, de gestação decorrente de estupro e de feto anencéfalo. No entanto, por
mais que seja um direito, poucas mulheres efetivamente buscam o sistema de saúde, por medo
de represálias, persecução penal e maus-tratos. Isso decorre, inicialmente, da conduta dos
médicos que, por vezes, agem de forma antiética, fazendo mau uso da objeção de consciência
e se negando a prestar assistência a mulheres em situação de abortamento, mesmo quando o
uso desta faculdade lhes é vedado. Neste contexto, esperava-se que o Estado tivesse uma
postura de garantidor, treinando seus profissionais de saúde para lidar com esses casos, além
de puni-los quando necessário. No entanto, o que se verifica é uma postura inadequada que,
quando não omissa, atua em prol da desinformação e da violação dos direitos constitucionais
das mulheres. As Portarias 2.282 de 27 de agosto de 2020 e 2.561 de 23 de setembro de 2020
ilustram essa postura do Ministério da Saúde, uma vez que criam a obrigação de notificação
compulsória que viola o dever de sigilo médico, aumentando o receio das mulheres de buscar
assistência médica em caso de aborto, mesmo quando legal. Houve, ainda, a publicação da
Cartilha Atenção Técnica para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento,
que atesta que não existe aborto legal no Brasil e representa grande retrocesso neste campo.
Este estudo buscou denunciar as recentes involuções que ocorreram na matéria do aborto,
protagonizados pelo Estado, demonstrando as incongruências entre a prática legal e
administrativa, e os direitos constitucionalmente garantidos. |