“Seu saber é juntar haver”: avareza e corrupção na obra de D. Pedro de Barcelos (Portugal, séc. XIV)

Abstract

A corrupção, como qualquer outro conceito histórico, deve ser interpretado em termos do tempo e do espaço em que foi mobilizado pelos agentes sociais. Entretanto, é comum que os estudos sobre a corrupção acabem por adotar perspectivas anacrônicas, sobretudo com relação a determinadas épocas e geografias consideradas propícias a esse tipo de desvio. Nesse sentido, a Idade Média assume lugar de destaque, em que a corrupção é vista como espécie de sinônimo do espírito desse tempo. No entanto, estudos ancorados em uma perspectiva política da corrupção, e não exclusivamente moral, propõem a análise desse conceito como historicamente situado e socialmente construído, atuando como ferramenta discursiva em disputas por legitimidade diante de consensos sociais rompidos. Instigado por essa perspectiva, este trabalho investiga como a corrupção, longe de constituir um conceito fixo ou universal, é construída discursivamente no interior das disputas políticas da sociedade corporativa portuguesa do século XIV. Parte se da hipótese de que a avareza, tradicionalmente concebida como vício capital pela teologia cristã, é mobilizada como operador simbólico na produção de sentidos em torno da corrupção, sobretudo quando esta se inscreve em tensões relativas à justiça. Para tanto, o corpus documental analisado é composto por duas cantigas satíricas e por trechos da Crónica Geral de Espanha de 1344, atribuídas a D. Pedro de Barcelos, examinados à luz do referencial teórico-metodológico da Análise do Discurso de linha francesa, em articulação com a historiografia que compreende a corrupção como um fenômeno político e relacional.