"Fome de pesquisador” : o artigo científico como sistema de verdade sobre a epidemia de vírus Zika em Recife/PE

Abstract

A emergência de saúde pública do vírus Zika, iniciada no ano de 2015 na região Nordeste do Brasil, teve seu epicentro em Recife/PE. Na capital pernambucana, a configuração deste evento complexo não só acionou a atenção da mídia, de profissionais da saúde e da população em geral, mas também culminou numa acentuada mobilização científica de diversas áreas do conhecimento. As ciências biomédicas foram encarregadas de dar respostas à comunidade científica internacional que explicassem o crescimento exponencial e abrupto do número de crianças nascidas com microcefalia. Por outro lado, as ciências sociais acompanharam mães, cuidadoras e crianças afetadas por aquilo que, mais tarde, se entendeu enquanto a Síndrome Congênita do Vírus Zika (SCVZ), uma condição grave e de espectro mais amplo que a microcefalia causada pela transmissão vertical (da gestante para o feto) do vírus Zika. O presente trabalho tem como objetivo focar em uma das faces desta resposta científica, que é a escrita e publicação de artigos. Para cumprir esta tarefa, são acionados referenciais teóricos dos estudos sociais da ciência e da tecnologia, bem como da crítica textual das ciências sociais. Por meio de pesquisa antropológica e etnográfica, são apresentados e analisados relatos de cientistas que atuaram a partir da epidemia e trechos de seus artigos científicos publicados. Estes procedimentos revelam a comunicação de resultados da ciência enquanto uma atividade que, no decorrer da emergência sanitária em Recife, foi atravessada por aspectos como: trabalho coletivo em grupos de pesquisa; publicação acelerada em tempos de urgência; parcerias internacionais e acesso a financiamentos; definição de revistas para divulgação de resultados; racionalidades biomédicas pouco evidentes nos escritos e engajamentos políticos com associações de mães de Zika.